domingo, 2 de novembro de 2008

O sertão vai virar Dizzy! E Dizzy vai virar sertão! A profecia científica de Siba e a Fuloresta no Tim 2008

“Eu tô pisando em terra de reis
eu tô pisando”
Siba
“Things To Come”
Dizzy Gillespie




Essa foi a pala de Léo ao final da apresentação do Siba na sessão Vitória do Tim Festival 2008 (26/10). Bruto. Sampleando a frase e sem pedir licença ou cessão, a lançamos ao título justo por a partir daí querermos situar algo del acontecimiento. A Fuloresta meu irmão. Primeira apresentação na cidade. Boquiabertos, estáticos e imóveis assistíamos a chegada sorrateira da Orquestra sob a regência coadjuvante principal do Mestre Siba. Aos poucos a captura das freqüências das batidas iam provôocanto o corpo. “Remexendo remexendo remexendo, neguinha sarará remexe aí que eu quero ver”, Jorge Ben mili ano.

Da cabeçada que velozmente tem brotado no nordeste, tendo Pernambuco como referência pólo cibernética, e sobretudo o Manguebeat, Siba e Mestre Ambrósio eram os que mais fixavam os ouvidos na anônima cultura popular, explorando as potencialidades territoriais dos ecos da mata e das antenas eternas captadas pelos tambores, maracatus, frevos e toda a tropa dos baques soltos e virados. Neste movimento, Siba e companhia lançavam em sua extensão sônica referências sonoras bem distintas embora Ben ligadas, dos projetos da Nação Zumbi de Chico, Mundo Livre S/A, DJ Dolores ou mais recentes como Mombojó, Cidadão Instigado, 3namassa, Maquinado, Mamelo Soud System, Buguinha Dub e a Vitrola Adubada, Autonomo e por aí vai. Com isto, não estava em jogo uma nostalgia pela tradição que está se definhando.

Nesse projeto, a Fuloresta, a visada quântica e sonora da regência de Siba atropela tempo e espaço, ou qualquer regionalismo provinciano, com passadas bem certeiras, incorporando elementos globais sobretudo do jazz, ska, dub, funk, orquestrado com arranjos de frevo e uma metaleira nervosa. O primeiro impacto é de estranheza, principalmente para nós urbanóides ou viciadamente, no bom e no mal sentido, educados na base do rock n’ roll. “Já estou farto do rock n’ roll, outros sons, outras batidas, outras pulsações”, já cantava Edgard Scandurra no clássico e inovador “Psicoacústica” do Ira!

Boa parte da história da música passou ali naquele show da Orquestra da Fuloresta, que apesar de vir pela primeira vez em solo vitoriano, desde o início do último milênio vem disseminando euforia, lamento, humor ácido e espontâneo, tendo lançado em 2002 seu primeiro registro, “Fuloresta do samba”, e no ano passado o álbum “Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar”.

“Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar”, essa é a centelha verbal manifesta na abertura da canção “Um passeio no mundo livre”, Chico Science e Nação Zumbi, Afrociberdelia. Que já manifestava embrionariamente a conexão das batidas dos cocos e maracatus com arranjos de metais. Siba elevou isto até sua máxima potência. Tempestade conceitual de Força 5, como diria Lúcio Maia no projeto Maquinado.

Entre tempos e entretempos o manifesto de alegria de cada mestre da orquestra (só tem maestro nessa orquestra! Putz), ganhava seus galopes e cadências, arranjos fenomenais, a metaleira afiadíssima, diversão total com os sopros eternos, um Dizzy Gillespie do sertão encontrando exílio na Fuloresta de Siba, um trompete lançando raio lazer, uma tuba marcando a pisada, um sax na base, e um trombone não menos, além de um chocalho atômico e freneticamente orquestrado, uma zabumba jazzyficada com pólvora de guerra e o canto de longo alcance de Siba.

Que era aquilo!!!!!!!!!??! Desde a marcação martelada de um Lee Hooker em uma tábua de madeira, até ao frevo insano da zabumba e da metaleira, passando pela andada pausada do dub e do reggae, até aos frenéticos, insanos e tranqüilos arranjos dizzyficados e skalizados. Quem fora educado minimamente com um pouquinho de jazz e muito ska, eqüalizou freqüências sensíveis e sonoras além bar em relação aos ouvintes ávidos por rock n’ roll, que se empolgaram mili ano muito mais com a fanfarra circense e colorida do Gogol Bordello.

O acordo com a tecnologia de áudio vem através do trance acústico da zabumba e do tambor velozmente empunhado sob o apito de Siba. O opaco da percussão harmonizando-se com o raio lazer de las trompetas, sobre a britadeira de penas da tuba, novamente pincelados com a lingüística do sax, e aquele chocalho atômico na base. Na base. Bruto.

Radiando elementos maturados durante séculos e sobretudo nas últimas décadas, nada de regionalismo provinciano. Ecoando dissonâncias surdas e reelaboradas em outro nível de criação e concepção, desde o afrobeat de um Fela Kuti com seus arranjos de metais na base, até à indiferença em relação a negative vibration de um Skatalites. Os caras da Fuloresta meu amigo, podem ser bem ouvidos desde a América Central, Kingston Jamaica, baldiando em Pernambuco, Alto José do Pinho e tal, passando pela Nigéria de Fela Kuti ou Etiópia de um Mulatu, ponte aérea Cotton Club em New Orleans noite com Skatalites. Mili ano mili ano pra lá do pra lá.

Um ska de guerra, fúnebre (“Suinã” - 2002), harmonizando-se com a poesia poca pala, pero atômica de Siba, “Nem sou mais eu que penso o que eu tenho pensado”. Indo na direção contrária do rótulo de regionalismo acrescenta Siba em entrevista a Leonardo Licote ao Jornal Globo (19/11/07), a respeito do lançamento do segundo álbum “Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar”: “O uso que faço de instrumentos como tuba e sax-tenor, por exemplo, não existe na tradição do maracatu”.

Canções que de súbito afluem à memória, além da conversa e interação total com o público, por parte do cosmopolita Siba e a Fuloresta, ativistas políticos do humor e provocadores das adrenas festivas, destaque para “Fuloresta do samba”, a faixa, que já começa, depois de uma introdução de um dub frevolizado acidamente pela metaleira, na pala “Sonhei tinha voado, tava montado na força que me comanda”, refrão na regência da Orquestra. Total total, simplesmente total parte.

Além da profecia sem culpa de Siba quanto aos destinos do clube Santa Cruz, zoação que virou profecia de fato, “Meu Time” (2007), “caiu pra terceira divisão”, a Orquestra seqüenciou também a regência de “Alados”. Canção que Siba participa com rabeca, letra e voz no primeiro álbum do projeto Maquinado, Toca, Maia, Dengue e Dj PG, e a rapaziada, que flerta mais com dub e arranjos de guitarras sem firula e ecos reelaborados por máquinas. “Homem Binário” o nome da peça transcendental, 2007, Maquinado. Parafraseando o “Homem Bicentenário” de Isaac Asimov, ficção científica, uma das referências para Lúcio Maia e a galera da Nação Zumbi.

Finalize Tim Festival a Fuloresta desce do engomado palco do Teatro Universitário e improvisando um carnaval de teatro, dado o perímetro que não a rua, mandando repentismo skalizado que às vezes pede licença para o hardcore da percussão sob a regência de um chocalho atômico, Mané Roque é o nome da figura, pero real na base, na base sem firula, fervendo o arroz atrozmente sorridente.

Enquanto a Fuloresta batizava todo o perímetro do teatrão, saía já satisfeito do mezza. Tomar uma cerveja no saguão, gastar com os conhecidos ou não na multi. Daqui a pouco uma senhorita matrix da produção na sua função convoca elegantemente o público para a próxima atração: Gogol Bordello. Ouvir a gatinha né.

Pero, na primeira faixa... Gogol. Uma espécie de Kiss sem máscaras, hippies circenses, misturado com power-rangers. No perdón. De súbito voltar para o saguão, mais cervejas, só tinha tomado uma, tenso, lá dentro não podia tomar, que merda! Li na Gazeta da semana a Tatiana Wuo, comentando sobre repensar o lugar do Tim Festival em la poster(c)idade. Bem lembrado. Também por Siba, ironizando ao início da apresentação que tentou providenciar junto à produção um kit para cada um com uma chave de fendas para que pudéssemos desmontar as cadeiras do teatro!

À entrada do Gogol Bordello as fendas sonoras que a Fuloresta havia aberto já estavam de bom tamanho. Toda vez que eu dou um passo o mundo sai do lugar. Já passou. Salve Siba e a Fuloresta. Estranho alguém botar mais fé em um show sem guitarras, baixo, bateria e sintetizadores e que não é gringo de berço territorial. É nóis, mili ano, como diria Rodrigo Brandão, Mamelo Sound System!

Depois de Siba e a Fuloresta, pra quê Gogol Bordello? A galera se amarrou, contagiou o público, e neguim lá fora chapando, maturando o espanto agradável e montado na força que me comanda, já disse alguém. Mais um protótipo da estética Orquestra Manguefônica. Partículas sonoras proliferam ao universo. Valeu Siba!